Uma vez que a imagem corporal é extremamente importante no
complexo mecanismo de identidade pessoal (MELLO FILHO, 1992), a aparência
pessoal desempenha papel relevante em todas as etapas do desenvolvimento,
inclusive na vida adulta (MOSQUEIRA, 1981). A imagem mental na qual
representamos nosso corpo é, conforme Mello Filho (1992), formada por três
aspectos: a imagem desejada ou aquela que se deseja ter; a imagem representada
pela impressão de terceiros; a imagem objetiva, ou a que a pessoa vê, sentindo
seu corpo.
A imagem que construímos de nós mesmos é baseada naquilo que
vemos e apropriamos do nosso corpo. Entretanto, podemos percebê-lo como
defeituoso, indesejado e fonte de grande sofrimento. Diante disso, algumas
técnicas surgiram para solucionar esta insatisfação pessoal, entre elas, a
cirurgia plástica.
A necessidade de se encaixar nos padrões sociais de beleza
tem alimentado cada vez mais o mercado da cirurgia plástica estética. O
sentimento de exclusão, de sentir-se diferente e não parte da sociedade, é tão
intenso e danoso, que as pessoas são capazes de pagar fortunas para livrar-se
de tal sensação. O não pertencimento ao grupo nos tira o prazer da semelhança,
nos afasta do outro, sendo que este passa de próximo a estranho (PORTINARI,
2000).
Neste estudo, constatamos que todas as entrevistadas sentiam
que alguma parte do corpo estava incomodando, trazendo uma sensação de
desconforto e, com isso, mobilizando sentimentos de insatisfação, sofrimento e
não aceitação de si. Para que fossem resolvidos ou amenizados tais sentimentos,
optaram pela cirurgia plástica estética para corrigir o que não estava lhes
agradando, desagrado relacionado tanto à sua própria percepção como também à
avaliação que sentiam provir dos demais.
Todo ser humano está vinculado a objetos, quer no plano
intra, inter ou transpessoal, e precisa vitalmente do reconhecimento das
pessoas para a manutenção de sua autoestima. É a partir do outro que o ser
humano encontra suas semelhanças e diferenças e aprende a se reconhecer, uma
vez que estas representações já existem a nível inconsciente. Desta forma, elas
asseguram um sentido e desenvolvem a autoestima (ZIMERMAM, 1999).
O outro é parte do desenvolvimento de identidade do self,
isso caracteriza bem os resultados obtidos pelas verbalizações da maioria das
entrevistadas, nas quais fica clara a influência da família na tomada de
decisão, assim como a opinião do médico, pois ambos identificaram “o defeito” e
apontaram a cirurgia plástica estética como sugestão de reparo e conseqüente
melhora. Em outros dois casos, porém, é perceptível o mal estar das
entrevistadas diante do olhar do outro, fazendo com que elas imaginassem e
interpretassem esse olhar como acusador do “problema” corporal. Sentiam-se
analisadas e verbalizaram que, nesse momento, o seu “defeito” tomava conta de
todo o seu eu, desvalorizando os outros aspectos positivos que possuíam.
Desta forma, nos é permitido pensar e refletir que o outro
não influi apenas no início de nossas vidas, mas influencia diariamente, nas
pequenas e grandes decisões, nos sentimentos de bem-estar e auto-aceitação, na
caminhada eterna de construção e reconstrução. Estamos falando aqui não somente
de uma insatisfação pessoal, mas de uma insatisfação baseada e comparada ao
padrão social e aos seus valores do que é certo, positivo e belo.
O “estar bem consigo mesmo” é algo que necessita ser
avaliado e alimentado diariamente. A flutuação no humor, os acontecimentos
cotidianos e as transformações ditadas pelo tempo são responsáveis pelo
desequilíbrio do bem-estar. Dessa maneira, o ser humano lança mão de
estratégias para reorganizar o self e reencontrar a homeostase.
O conceito de belo, está muito relacionado ao sentimento de
aceitação. Todavia, nem sempre se faz psicoterapia para “resolver o problema”
de aceitação e tão pouco faz-se um preparo psicológico anterior à cirurgia
plástica estética. Isso nos remete a pensar que, se o corpo não está vinculado
à beleza, porque a cirurgia plástica estética tornou-se tão procurada para
sanar sentimentos de insatisfação consigo mesmo?
Quando a fonte do sentimento de mal-estar é o corpo, a
cirurgia plástica é convocada a resolver “o problema”. É rápida, em algumas
vezes definitiva, e não exige muito investimento e/ou comprometimento pessoal
em seu processo. Em contrapartida, a psicoterapia, que poderia instrumentalizar
o indivíduo a viver de maneira mais saudável e equilibrada, é mais demorada,
exige motivação e comprometimento pessoal em seu processo; transformaria o
mundo interno, deixando o corpo diferente não em sua estrutura, mas na maneira
como é interpretado.
O ideal é um aspecto subjetivo, importante em todas as
esferas motivacionais e comportamentais. Nos dias de hoje, o ideal tem
escravizado o ser humano na busca incessante e desgastante. É possível
encontrar condutas destrutivas como a anorexia, por exemplo, como alternativa
de alcançá-lo (PORTINARI, 2000).
O sentimento de pertencimento ao padrão social é tão
perseguido que, muitas vezes, quando não alcançado, é motivo de angústia e
tristeza. O ideal e o real acabam sendo tão distanciados que o indivíduo se
perde na sua própria imagem, o que acarreta prejuízos emocionais,
comportamentais, cognitivos e produtivos. Entretanto, ter a possibilidade
concreta de aproximar o desejo da realidade é um dos aspectos que impulsionam e
movimentam o mercado da cirurgia plástica estética.
Constata-se que o que gerou a busca da cirurgia plástica na
maioria do caso foi a angústia
proveniente de fatores internos e externos. Algumas decidiram no impulso, outras
estiveram pensando durante algum tempo, outras foram conversar com alguém que
já tinha feito. Após este momento, ao se submeter à cirurgia, a maioria delas
estranhou o resultado inicial. Os edemas, os hematomas, a diminuição ou o
aumento de uma parte do corpo, tudo isso causou um impacto, um choque de não
reconhecimento de si mesmo. A grande maioria relata que o tempo foi solução
para esses sentimentos, pois as consequências estéticas da cirurgia foram
diminuindo e o resultado mais visível foi aparecendo, sendo que o resultado
final foi equivalente ao idealizado e, portanto, satisfatório.
Mas poderíamos pensar no caso de o resultado final não ser
satisfatório, na expectativa que não foi alcançada, no desejo que se tornou um
pesadelo. O pós-cirúrgico é um momento muito delicado, que remete a uma
sensibilização intensa do psiquismo. É um momento difícil, que exigi bastante
força e energia para assimilar e aceitar o processo de recuperação que estava
acontecendo, embora o resultado final fosse o esperado. Pensemos, neste
momento, naquelas em que o resultado final boicota o sonho, quando a imagem
corporal tem que ser refeita em cima de algo não idealizado, de algo jamais
previsto, o quanto o psiquismo será atingido e o quanto isso poderá acarretar
em consequências danosas ao indivíduo. Assim, é válido enfatizar a importância dos cuidados psicológicos,
porque não estamos tratando somente do corpo, mas sim da mente, uma vez que os
dois são intimamente ligados e dependentes.
Mesmo enfrentando um
pós-operatório doloroso, com exigência grande de cuidados e uma limitação
temporária de atividades e movimentos, a dor do “defeito” é maior. A dor física
torna-se pequena perto da dor mental de ter que conviver com algo que não se
aprecia. É preferível, segundo
algumas mulheres, passar por um período de dor física, do que enfrentar por
toda a vida uma dor psíquica. Assim, concluímos que após a cirurgia há um
aumento na autoestima, elas conseguiram olhar para si mesmas e apreciar o que
enxergavam, suas relações interpessoais e sexuais melhoraram e suas vidas
conquistaram maior qualidade.
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